"Está difícil de trabalhar. Ela percebeu que eu a estou evitando, e ao menos têm colaborado com isso (acabei de lembrar que o último bilhete que eu mandei tinha um pedido: 'me ajude a te tirar da minha vida'). Raramente nos encontramos no corredor, ou na cozinha; ela não vem mais imprimir coisas perto da minha sala. Mas eu percebi que isso é uma coisa estranha: para evitá-la, tenho que pensar nela o tempo todo. Se eu quero ir na cozinha, preciso ver antes se ela não está lá; se vou descer, preciso ver se ela não acabou de sair. Evitá-la me faz pensar nela mais ainda. "Nada mais existe, exceto o que não existe", disse Macbeth. E comigo está sendo assim: o que não existe toma a minha vida toda.
Além disso, você me conhece o suficiente pra saber que qualquer coisa me faz lembrar dela. Se eu ouço uma música sobre marmotas espaciais minha cabeça torta vai dar um jeito de criar uma associação até ela. Sinto falta de falar com ela... não sei até que ponto deixar de falar com ela vai ser melhor, ou pior. Não sei se tento ser só um amigo dela; ao menos seria alguma coisa (embora essa amizade nunca vá ser verdadeira, porque sempre, sempre vai ter uma segunda intenção).
Tenho me cortado todos os dias; nas últimas vezes, os cortes têm sido fundos o suficiente para tirar sangue e manchar a camisa. Depois, eu jogo sal em cima. Dói, dói, dói. Mas é uma dor que eu tô conseguindo controlar; é melhor que o aperto que eu sinto aqui no peito.
Eu tentei parecer que não tô nem aí, que a carol estava vindo, esse tipo de coisa. Só que não consegui; gosto demais dela. Não consigo mais esconder.
Até minha chefe veio perguntar porque eu estava tão triste, e eu contei a história. Claro que não falei que era alguém do escritório (e neguei quando ela perguntou); mas está muito na cara a minha tristeza.
Ela, por outro lado, tá bem. Tem a advogada que trabalha com ela, que sabe mais ou menos do que tá acontecendo, e eu pedi que ela me avisasse se ela precisasse de alguma coisa, qualquer coisa. "Não, ela tá bem", foi o que ela disse. E eu acredito. Isso tudo foi um passatempo para ela. Pelo que entendi da sua história, é comum ela ter homens apaixoados ao seu redor, então eu sou só mais um e isso não a abala.
Tenho me sentido muito sozinho, Lux. A minha 'namorada' voltou ontem de viagem; ela está de férias e foi passar uns dias com a irmã em sao paulo. Depois da briga que tivemos no meu aniversário, praticamente não temos nos falado. Eu mando mensagens para ela todos os dias, mas ela não me responde. Quando eu ligo, a nossa conversa é assim: 'como foi seu dia?' 'tranquilo, e o seu?' 'o meu tambem.' 'então tá bom.' 'então tá, se cuida. beijo.' 'beijo.'
Claro, não vou falar pra ela que estou sofrendo por outra mulher pela qual estou apaixonado; aliás, não sei direito qual minha relação com essa 'namorada'. De qualquer forma, queria que fosse diferente. Queria ser apaixonado por ela, e não pela moça do escritório... mas esse tipo de conversa é a ultima coisa que vai fazer algo assim acontecer né?
Acabei de fazer um teste agora. Ela estava na cozinha, com outras pessoas. Fui até lá conversar com todas elas, normalmente. Tentei ser engraçado e divertido; estava falando do horror que tenho em tirar brincos para minhas irmas. 'já atendi uma pessoa com uma fratura exposta e não tive problemas; mas não me peça pra tirar um brinco.'
'é, meu namorado tem a mesma coisa.' ela disse. Em cheio. Na lata.
Pronto. Taí porque não tem como ficar perto, nem como amigo. Lembrei de uma música que fala assim 'I'd never want to see you unhappy / I thought you'd want the same for me...' Eu teria muito cuidado com o que fosse falar. Mas não é comigo; elas nunca têm cuidado.
Essa mesma música diz assim: 'so you're gone and I'm haunted / I'll bet you are just fine / did I make it that easy to walk / right in and out of my life?' É assim. Eu aqui, me cortando, assombrado, e ela simplesmente ok. Não fui nada.
Fiquei me perguntando como seria se tivesse dado certo. Se ela tivesse aceito... e cheguei à conclusão de que seria bem ruim. Não para mim, mas para ela. O que eu tenho para dar? Umas poucas histórias, carinho, atenção, meu jeito esquisito, minhas idas ao hispital, minhas crises de mau humor, minha insanidade. Meu quarto minúsculo; minha casa cheia de goteiras, meu irmão problemático, meu pai doente para quem sempre falta dinheiro.
O namorado dela a leva pra jogar tênis. Pagou o cursinho dela pra ela passar na prova de advogado. Leva para passar o fim de ano na praia.
Claro que a questão não é só dinheiro - mas também é dinheiro. Além disso, o que eu posso oferecer de mim? Os choques que eu levo cada vez que abaixo a cabeça? As mãos amortecidas, que parecem ter areia embaixo da pele? Os cortes que eu tenho nos braços?
Minha chefe disse 'voce tem tanto a oferecer... é um cara culto, honesto, trabalhador...'
Culto. Honesto. Trabalhador. Nossa, vou ser o rei da mulherada com isso :P
Sempre que alguém quer me animar fala essas coisas. E param por aí - porque é só o que tem. E esse tipo de coisa não importa. Pelo contrário, o que mais escuto é que sou 'esquisito', 'grosseiro', 'fechado', 'mal-educado'. É só isso que eu tenho a oferecer, e daí eu fico até feliz por não ter dado certo.
Na verdade, eu não quero achar ninguém. SÓ QUERIA NÃO SENTIR FALTA. Não queria me apaixonar. Não queria esperar. Não queria ficar triste quando quero dividir alguma coisa legal com alguém e não ter ninguém. Queria aprender, de uma vez por todas, a me servir só, sozinho.
Minha chefe disse que o que me falta é algo que preencha minha vida. 'Para mim, é a minha filha. Mas você não tem nada, aí você usa o afeto pra preencher essa lacuna, e acaba se jogando de cabeça nisso. Você precisa arranjar um hobby, ou algo parecido, que te ocupe, algo que você goste..."
Quase perguntei pra ela como ela conseguiu ter uma filha sem sentir esse tipo de coisa pelo marido. Mas achei melhor ficar quieto. No fundo, eu sei que ela tem razão - quando a neliane me disse que não tinha futuro pra nós e eu estava voltando pra casa, fiquei pensando em algo pra me segurar... e vi que não tinha nada. Religião, amigos aqui, trabalho. Não tenho sonhos. Não tenho projetos de vida. Não tenho laços, não tenho nada que me faça acordar de manhã. Lembro que tinha uma época que você acordava feliz porque tinha o xuxu, que se não fosse você ele ia ser homeless ;). Eu não tenho nenhum sentimento assim.
O pouquinho que me segura são as histórias, em qualquer formato. Livros, filmes, videogames. Tento me envolver numa história, de forma que eu não possa morrer sem saber o final. Uma vez li uma coisa do Neil Gaiman onde ele dava uma outra visão da Sherazade, das mil e uma noites: contar histórias pra manter a morte longe. Eu sou mais ou menos assim... sou formado de histórias. E por 'histórias' incluo as coisas bobas, como saber que a palavra 'alameda' tem esse nome porque originalmente era uma rua ladeada de álamos. Guardo este tipo de coisa aqui dentro, pra manter a morte longe - mesmo que ninguém queira saber.
Anteontem mandei um mail para a Zana, aquela psicóloga amiga de uma amiga, com quem cheguei a me animar mais ou menos na metade do ano passado. Fiz isso porque estou lendo um livro sobre filosofia e crítica literária que era a cara dela. Claro que ela não respondeu - eu não responderia um e-mail estranho de um cara estranho como eu. Mas eu mandei mesmo sabendo que ela não ia responder, porque eu tinha que contar pra alguém. Contar pra neliane? Ela entenderia, mas não posso falar com ela. Contar para minha 'namorada'? Ela diria, como já disse, "só você para gostar de ler esse tipo de coisa".
Viu? É isso que dói. A vontade de repartir, sem ter com quem. E se não posso ter com quem, a solução é terminar com a vontade de repartir.
O budismo fala de Maya, que são as ilusões terrenas. Buda falava de um monge que estava andando no escuro e pisava em alguma coisa que ele achava que era um sapo, e o monge ficou a noite toda se martirizando porque tinha causado a morte de um ser inocente. Mas quando o sol nasce, ele vê que só tinha pisado numa fruta podre; a ilusão causa a dor e o martírio. E, pra mim, é a ilusão de que vai ser diferente. É a ilusão de que vou achar alguém. Quantas vezes eu já falei pra mim mesmo que não era pra fazer isso, mas continuo tentando?
Acho que o que está me doendo tanto é voltar pro vazio. É ter visto, mais uma vez, que podia ser diferente, mas não é. "Kai, já falei que você tem que controlar tua vida, tem que ser feliz pra alguem gostar de você". Eu sei. Saber, eu sei. Só explica isso pro kaizinho que mora aqui dentro e que controla tudo, porque ele não entende.
Esse kaizinho tá dolorido, cansado, triste, amuado. Esse kaizinho tá se sentindo inútil, esquisito e grosseiro. Esse kaizinho tá machucado de novo, uma ferida em cima da outra, de um jeito que eu nunca pensei que fosse possível suportar.
Por que eu sempre faço esses melodramas na minha vida? Por que eu não consigo me contentar com alguém que apenas goste de mim, embora eu não ame; não consigo me contentar em ser alguém mais ou menos, numa casinha mais ou menos, formando uma família mais ou menos? "Não queres jogar sujo, e mesmo assim desejas vencer de modo indevido"."
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